terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Estabelecimento comercial, Trespasse,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 239/07.8TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Data do Acordão: 24-01-2012
Sumário:

I - A expressão “objecto do negócio jurídico”, inserta no art. 280.º do CC, que comina de nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, pode ter dois sentidos: um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir; o outro, correspondente ao objecto mediato, ou objecto stricto sensu, consistente naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.

II - Na universalidade que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que, sem ela, não é legalmente admissível a laboração; mas não é condição sine qua non, bastando que o complexo da sua organização económica esteja pronto ou apto a entrar em movimento.

III - Um estabelecimento comercial pode ser objecto de trespasse mesmo que ainda não esteja a ser explorado ou, inclusive, incompleto e em via de formação, não sendo necessário, para se falar em trespasse, que a transferência abarque todos os elementos que, na altura, integram o estabelecimento, sendo admissível o trespasse parcial.

IV - A falta de menção no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03.

V - Todavia, importa realçar que se está perante um contrato-promessa, do qual unicamente advém o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido, e que a impossibilidade legal originária verificada é meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num momento em que prestação ainda oferece interesse ao credor (art. 792.º, n.º 2, do CC), pois que até à celebração do contrato prometido pode perfeitamente o promitente trespassante obter a licença em falta.

VI - Se não obstante a falta da licença de utilização e consequente omissão no contrato-promessa, a promitente trespassária não ficou impedida de explorar, por sua conta e risco, o estabelecimento de café, snack-bar e restaurante, bem como ao longo do tempo e até à data da propositura da acção (2,5 anos), foi entregando parcelares quantias por conta do preço acordado, e, inclusive, contratualizou novo arrendamento com o senhorio, tudo como se aquele contrato estivesse perfeito, válido e plenamente eficaz, não pode deixar de constituir abuso do direito da sua parte, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação da nulidade do contrato-promessa de trespasse.

VII - A responsabilidade pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações, e pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito (art. 227.º, n.º 1, do CC).

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