terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Concessão comercial, Indemnização de clientela,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 39/2000.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Data do Acordão: 24-01-2012
Votação: NANIMIDADE

Sumário :

I) - Sendo o contrato de concessão comercial um contrato de cooperação comercial e de distribuição, pressupondo uma integração e conjugação de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o seu cariz continuado, duradouro – sem o qual a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável.

II) – A indemnização de clientela tem como pressuposto basilar a cessação do contrato de concessão (por aplicação analógica do regime legal do contrato de agência) e, como requisitos legais cumulativos, os que constam do art. 33º,nº1, als. a), b) e c) do DL.178/86, de 3.7, exigindo-se que o concessionário tenha angariado novos clientes para o concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; o concedente venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário e que o concessionário de receber qualquer retribuição por contrato.

III) – O que está na base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça [repare-se que o critério da sua fixação, pese embora o “travão legal”, é o da equidade], assente na consideração de que se o concessionário proporcionou, pela sua actividade, incremento significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando “substancialmente” para o futuro, em termos de volume de negócios, deve ser compensado pelo esforço despendido.

IV) No contrato em causa foi acordada a Cláusula 17ª que consagra o direito potestativo de denúncia pelo concedente que, como é inerente a esse instituto, é um direito que pode ser exercido ad nutum, sem prejuízo, todavia, do seu exercício dever salvaguardar a regra da boa-fé, mormente, tratando-se de contrato duradouro, devendo obedecer tal direito a um prazo com pré-aviso razoável. Tal cláusula exclui qualquer indemnização, tendo sido acordado que o prazo de denúncia – dois anos – poderia ser prorrogado por mais um ano, no condicionalismo previsto no seu nº2.

V) - O Regulamento (CE) nº1475/95, da Comissão, de 28.06.95, já substituído pelo Regulamento (CE) nº1400/2002 de 31.07.2002, regulava a aplicação do nº3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, sempre que estejam em causa relações transfronteiriças, prevendo-se, no seu artigo 5º, o direito do fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição.

VI) – Aquelas normas comunitárias sobre o sector da distribuição automóvel, não são aqui aplicáveis, desde logo, porque não se trata de relações comerciais transfronteiriças, mas, antes, de um contrato para valer numa muito restrita área territorial portuguesa. Por outro lado, aquela legislação comunitária visa, essencialmente, regular e disciplinar a concorrência e, acima de tudo, a protecção dos concessionários.

VII) – A Cláusula 17ª do contrato que faculta ao concedente a cessação do contrato, em qualquer caso, e sem nenhuma indemnização, é uma cláusula que acentua a já congénita fragilidade contratual do concessionário, com o gravame de desconsiderar a análise a posteriori duma situação que pode bem ser infractora das regras da boa-fé, pelo que se deve considerar inválida (nula) por violar preceitos cogentes, analogicamente aplicáveis a partir do contrato de agência, e, objectivamente, equivaler a uma renúncia antecipada do direito do concessionário (credor), independentemente de qualquer grau de culpa, violando o art. 809º do Código Civil.

VIII) – Tendo em conta que a indemnização de clientela se faz com recurso à equidade, que é a justiça do caso concreto, haverá que ponderar o longo tempo de cooperação da concessionária na estrutura e organização comercial do concedente, cerca de 18 anos que, como é objectivo, atravessou períodos de maior ou menor fulgor consumista, com a inerente repercussão no nível de vendas de veículos automóveis, nos investimentos feitos pela concessionária para obter os objectivos visados pelo contrato, e, sobretudo, a consideração do incremento económico (clientela) que, cessada a relação contratual, poderá advir para concedente.

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