Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça
Processo: 13/2002.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª
SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Data do Acordão:
31-01-2012
Sumário:
I - Celebrado um contrato
de compra e venda internacional de mercadorias, com transporte
marítimo, na modalidade “Cost and Freight”, o valor a pagar
inclui o preço da mercadoria e o seu transporte e o vendedor
desonera-se, cumpre a sua prestação, quando a mercadoria transpõe
a amurada do navio no porto de embarque, passando, a partir desse
momento, a correr por conta do comprador o risco da sua deterioração
ou perda, tratando-se de uma regra que regula e uniformiza a compra e
venda internacional (Incoterms – Internacional Commercial Terms),
elaborada pela Câmara do Comércio Internacional (CCI).
II - O facto de a ré ter
cumprido a sua obrigação com o embarque da mercadoria e entrega da
documentação a ela respeitante e o facto de o risco da sua
deterioração ou perda correr por conta da autora, a partir desse
momento, não implica a sua irresponsabilidade; dado que, não
podendo o comprador examinar a mercadoria no acto do embarque, os
eventuais vícios só podem ser detectados e denunciados após o
respectivo levantamento no porto de desembarque.
III - Tratando-se de uma
venda sobre documentos, nos termos definidos no art. 937.º do CC, e
tendo o comprador, no sentido de dissipar dúvidas sobre a causa de
eventuais vícios e o momento da sua ocorrência, exigido o seu
acompanhamento por vária documentação, não cumprindo os
documentos entregues as exigências contratuais, não pode
considerar-se demonstrado que, no momento do embarque, a mercadoria
não estivesse avariada.
IV - Provado que a
mercadoria (pimenta preta) apresentava um teor de mofo e humidade
superiores à norma contratual e, de tal modo elevados, que a
tornavam imprópria para o consumo, vício que foi verificado pelas
autoridades no porto de desembarque, não logrando a ré ilidir a
presunção de culpa estabelecida no art. 799.º do CC, não tendo
provado que a avaria de que padecia a mercadoria não procedia de
culpa sua, houve cumprimento defeituoso da respectiva prestação.
V - O devedor deve poder
reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela
resolução do contrato.
VI - Não tendo a ré
resolvido o problema da falta de documentação, apesar da denúncia
da autora e das suas várias insistências, no prazo de cerca de
quatro meses, razoável para o efeito, tal mora conduziu à perda
objectiva do interesse da autora no cumprimento, uma vez que a sua
cliente anulou o crédito documentário e considerou incumprido o
contrato (art. 808.º do CC).
VII - Tendo a ré
recusado corrigir o vício da mercadoria enquanto não lhe fosse pago
o preço acordado, o que não constituía justificação admissível,
dado que a autora não estava em mora, pois haviam as partes acordado
que só pagaria à ré após o pagamento de carta de crédito da sua
cliente e ainda não recebera da sua cliente por razões imputáveis
à própria ré, tal recusa ilegítima da ré em substituir a
mercadoria avariada configura um incumprimento definitivo.
VIII - Face a tal
incumprimento da ré, mostra-se válida a resolução do contrato
operada pela autora, tornada eficaz mediante comunicação escrita à
ré (arts. 432.º e 436.º do CC).
IX - Tendo resolvido o
contrato por incumprimento culposo da ré, tem a autora direito a ser
ressarcida dos danos sofridos em consequência da resolução (art.
798.º do CC), sendo indemnizáveis os danos emergentes, bem como o
interesse contratual positivo, o lucro que o credor deixou de obter
com o não cumprimento do contrato.
Sem comentários:
Enviar um comentário