Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça
Processo:
239/07.8TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª
SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA
JESUS
Data do Acordão:
24-01-2012
Sumário:
I - A expressão “objecto
do negócio jurídico”, inserta no art. 280.º do CC, que comina de
nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente
impossível, contrário à lei ou indeterminável, pode ter dois
sentidos: um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo
preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir;
o outro, correspondente ao objecto mediato, ou objecto stricto sensu,
consistente naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.
II - Na universalidade
que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença
administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua
estrutura orgânica e funcional, pois que, sem ela, não é
legalmente admissível a laboração; mas não é condição sine qua
non, bastando que o complexo da sua organização económica esteja
pronto ou apto a entrar em movimento.
III - Um estabelecimento
comercial pode ser objecto de trespasse mesmo que ainda não esteja a
ser explorado ou, inclusive, incompleto e em via de formação, não
sendo necessário, para se falar em trespasse, que a transferência
abarque todos os elementos que, na altura, integram o
estabelecimento, sendo admissível o trespasse parcial.
IV - A falta de menção
no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de
restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de
alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse
contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º
168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002,
de 11-03.
V - Todavia, importa
realçar que se está perante um contrato-promessa, do qual
unicamente advém o efeito obrigacional de realizar o contrato
prometido, e que a impossibilidade legal originária verificada é
meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num
momento em que prestação ainda oferece interesse ao credor (art.
792.º, n.º 2, do CC), pois que até à celebração do contrato
prometido pode perfeitamente o promitente trespassante obter a
licença em falta.
VI - Se não obstante a
falta da licença de utilização e consequente omissão no
contrato-promessa, a promitente trespassária não ficou impedida de
explorar, por sua conta e risco, o estabelecimento de café,
snack-bar e restaurante, bem como ao longo do tempo e até à data da
propositura da acção (2,5 anos), foi entregando parcelares quantias
por conta do preço acordado, e, inclusive, contratualizou novo
arrendamento com o senhorio, tudo como se aquele contrato estivesse
perfeito, válido e plenamente eficaz, não pode deixar de constituir
abuso do direito da sua parte, na modalidade de venire contra factum
proprium, a invocação da nulidade do contrato-promessa de
trespasse.
VII - A responsabilidade
pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o
interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da
confiança das partes durante a fase das negociações, e pressupõe
uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos
idênticos aos do abuso de direito (art. 227.º, n.º 1, do CC).
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