Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça
Processo: 39/2000.L1.S1
Nº Convencional: 6ª
SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Data do Acordão:
24-01-2012
Votação: NANIMIDADE
Sumário :
I) - Sendo o contrato de
concessão comercial um contrato de cooperação comercial e de
distribuição, pressupondo uma integração e conjugação de
esforços organizativos com vista à implementação de bens no
mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o
seu cariz continuado, duradouro – sem o qual a vertente de
rentabilização económica dificilmente será alcançável.
II) – A indemnização
de clientela tem como pressuposto basilar a cessação do contrato de
concessão (por aplicação analógica do regime legal do contrato de
agência) e, como requisitos legais cumulativos, os que constam do
art. 33º,nº1, als. a), b) e c) do DL.178/86, de 3.7, exigindo-se
que o concessionário tenha angariado novos clientes para o
concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a
clientela já existente; o concedente venha a beneficiar
consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade
desenvolvida pelo concessionário e que o concessionário de receber
qualquer retribuição por contrato.
III) – O que está na
base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça
[repare-se que o critério da sua fixação, pese embora o “travão
legal”, é o da equidade], assente na consideração de que se o
concessionário proporcionou, pela sua actividade, incremento
significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando
“substancialmente” para o futuro, em termos de volume de
negócios, deve ser compensado pelo esforço despendido.
IV) No contrato em causa
foi acordada a Cláusula 17ª que consagra o direito potestativo de
denúncia pelo concedente que, como é inerente a esse instituto, é
um direito que pode ser exercido ad nutum, sem prejuízo, todavia, do
seu exercício dever salvaguardar a regra da boa-fé, mormente,
tratando-se de contrato duradouro, devendo obedecer tal direito a um
prazo com pré-aviso razoável. Tal cláusula exclui qualquer
indemnização, tendo sido acordado que o prazo de denúncia – dois
anos – poderia ser prorrogado por mais um ano, no condicionalismo
previsto no seu nº2.
V) - O Regulamento (CE)
nº1475/95, da Comissão, de 28.06.95, já substituído pelo
Regulamento (CE) nº1400/2002 de 31.07.2002, regulava a aplicação
do nº3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos
de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos
automóveis, sempre que estejam em causa relações
transfronteiriças, prevendo-se, no seu artigo 5º, o direito do
fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo
menos um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou
uma parte substancial da rede de distribuição.
VI) – Aquelas normas
comunitárias sobre o sector da distribuição automóvel, não são
aqui aplicáveis, desde logo, porque não se trata de relações
comerciais transfronteiriças, mas, antes, de um contrato para valer
numa muito restrita área territorial portuguesa. Por outro lado,
aquela legislação comunitária visa, essencialmente, regular e
disciplinar a concorrência e, acima de tudo, a protecção dos
concessionários.
VII) – A Cláusula 17ª
do contrato que faculta ao concedente a cessação do contrato, em
qualquer caso, e sem nenhuma indemnização, é uma cláusula que
acentua a já congénita fragilidade contratual do concessionário,
com o gravame de desconsiderar a análise a posteriori duma situação
que pode bem ser infractora das regras da boa-fé, pelo que se deve
considerar inválida (nula) por violar preceitos cogentes,
analogicamente aplicáveis a partir do contrato de agência, e,
objectivamente, equivaler a uma renúncia antecipada do direito do
concessionário (credor), independentemente de qualquer grau de
culpa, violando o art. 809º do Código Civil.
VIII) – Tendo em conta
que a indemnização de clientela se faz com recurso à equidade, que
é a justiça do caso concreto, haverá que ponderar o longo tempo de
cooperação da concessionária na estrutura e organização
comercial do concedente, cerca de 18 anos que, como é objectivo,
atravessou períodos de maior ou menor fulgor consumista, com a
inerente repercussão no nível de vendas de veículos automóveis,
nos investimentos feitos pela concessionária para obter os
objectivos visados pelo contrato, e, sobretudo, a consideração do
incremento económico (clientela) que, cessada a relação
contratual, poderá advir para concedente.
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