Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça
Processo: 7279/08.8TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Data do Acordão: 20-03-2012
Sumário :
I) O contrato de garantia autónoma é
um negócio atípico, inominado, que o princípio da liberdade
contratual – art. 405º, nº1, do Código Civil – consente. Com
base nesse contrato, o garante, em regra um Banco, obriga-se a pagar
a um terceiro beneficiário certa quantia, verificado o incumprimento
de um contrato-base, sendo mandante ou ordenante o devedor nesse
contrato.
II) A independência do contrato de
garantia autónoma em relação ao contrato-base é um dos traços
distintivos da garantia bancária e uma das características que lhe
conferem autonomia, que na fiança não existe por esta ser
caracterizada pela acessoriedade. A característica da autonomia é
mais patente quando a garantia deva ser prestada à primeira
solicitação, “on first demand”.
III Na garantia autónoma o garante não
pode, em regra, opor ao garantido (beneficiário) os meios de defesa
ou excepções decorrentes das relações credor-devedor no
contra-base, ao invés do que sucede na fiança, aí o fiador pode
opor ao credor, não só os meios de defesa que lhe são próprios,
como também os que competem ao devedor/afiançado.
IV O pagamento à 1ª solicitação (on
first demand), assumido pelo garante, implica a sua obrigação de
pagar ao beneficiário a indemnização objecto da garantia, não
podendo opor-lhe quaisquer excepções reportadas à relação
principal (contrato-base), a menos que haja evidentes e graves
indícios de actuação de má fé, nela se incluindo a conduta
abusiva do direito.
V Valendo a garantia autónoma durante
o período de vigência do contrato-base e não podendo o garante
invocar, as relações entre credor e devedor nesse contrato, não se
compreende que o garante, quando interpelado pelo beneficiário possa
invocar que a garantia caducou pelo simples facto deste, ante o
incumprimento do devedor/ordenante, tenha exigido o pagamento da
garantia após a cessação do contrato-base.
VI. In casu a exigência da garantia,
depois de cessado o contrato-base, está justificada pela necessidade
de, entre o credor e o devedor no contrato-base ter sido acordado que
haveria um prazo para acerto de contas, após a revogação do
contrato, o que seria decisivo para que o credor/beneficiário da
garantia pudesse exigir ao garante a quantia devida pelo
incumprimento.
VII. Não se afigura lesiva da boa fé,
que na ausência de qualquer prazo para que o beneficiário
reclamasse do garante o seu direito, se deva considerar que existe um
prazo de caducidade no contrato de garantia para o exercício do
direito do beneficiário, sobretudo, se, como é inerente aos
contratos em causa (credor-devedor no contrato-base, e na relação
entre o ordenante e o garante), o beneficiário, além de ter um
fundamento para não reclamar logo o quantum da garantia, mais não
pede que aquilo que, inquestionavelmente, resulta do incumprimento
pelo devedor no contrato-base reportado ao tempo por que este
vigorou.
VIII. Com a celebração do contrato de
garantia autónoma, nenhum crédito nasce no momento da celebração
do contrato para o beneficiário, mas não deixa de existir um seu
direito subjectivo logo que verificado o incumprimento do
ordenante/devedor, o que implica a sua protecção, ainda que no mero
domínio da expectativa jurídica do seu potencial direito de
crédito, pois o beneficiário sabe que, em caso de incumprimento
pelo ordenante seu devedor, obterá imediatamente do garante o
pagamento do crédito tão logo o solicite, fazendo prova, em regra,
documental do inadimplemento.
IX. O não exercício do direito pelo
beneficiário em relação ao garante, na vigência do contrato, ante
o incumprimento evidenciado pelo devedor-ordenante que só pôde ser
quantificado após a cessação do contrato-base, não demonstra ter
havido por parte de beneficiário abuso evidente, nem manifesta
fraude ou lesão do princípio da boa fé, pelo que a recusa do
garante exprime incumprimento do contrato de garantia.
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