terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Contrato de compra e venda internacional de marcadorias, Incoterms, Cost and Freight

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 13/2002.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Data do Acordão: 31-01-2012

Sumário:
I - Celebrado um contrato de compra e venda internacional de mercadorias, com transporte marítimo, na modalidade “Cost and Freight”, o valor a pagar inclui o preço da mercadoria e o seu transporte e o vendedor desonera-se, cumpre a sua prestação, quando a mercadoria transpõe a amurada do navio no porto de embarque, passando, a partir desse momento, a correr por conta do comprador o risco da sua deterioração ou perda, tratando-se de uma regra que regula e uniformiza a compra e venda internacional (Incoterms – Internacional Commercial Terms), elaborada pela Câmara do Comércio Internacional (CCI).

II - O facto de a ré ter cumprido a sua obrigação com o embarque da mercadoria e entrega da documentação a ela respeitante e o facto de o risco da sua deterioração ou perda correr por conta da autora, a partir desse momento, não implica a sua irresponsabilidade; dado que, não podendo o comprador examinar a mercadoria no acto do embarque, os eventuais vícios só podem ser detectados e denunciados após o respectivo levantamento no porto de desembarque.

III - Tratando-se de uma venda sobre documentos, nos termos definidos no art. 937.º do CC, e tendo o comprador, no sentido de dissipar dúvidas sobre a causa de eventuais vícios e o momento da sua ocorrência, exigido o seu acompanhamento por vária documentação, não cumprindo os documentos entregues as exigências contratuais, não pode considerar-se demonstrado que, no momento do embarque, a mercadoria não estivesse avariada.

IV - Provado que a mercadoria (pimenta preta) apresentava um teor de mofo e humidade superiores à norma contratual e, de tal modo elevados, que a tornavam imprópria para o consumo, vício que foi verificado pelas autoridades no porto de desembarque, não logrando a ré ilidir a presunção de culpa estabelecida no art. 799.º do CC, não tendo provado que a avaria de que padecia a mercadoria não procedia de culpa sua, houve cumprimento defeituoso da respectiva prestação.

V - O devedor deve poder reparar o cumprimento defeituoso, antes de o credor poder optar pela resolução do contrato.

VI - Não tendo a ré resolvido o problema da falta de documentação, apesar da denúncia da autora e das suas várias insistências, no prazo de cerca de quatro meses, razoável para o efeito, tal mora conduziu à perda objectiva do interesse da autora no cumprimento, uma vez que a sua cliente anulou o crédito documentário e considerou incumprido o contrato (art. 808.º do CC).

VII - Tendo a ré recusado corrigir o vício da mercadoria enquanto não lhe fosse pago o preço acordado, o que não constituía justificação admissível, dado que a autora não estava em mora, pois haviam as partes acordado que só pagaria à ré após o pagamento de carta de crédito da sua cliente e ainda não recebera da sua cliente por razões imputáveis à própria ré, tal recusa ilegítima da ré em substituir a mercadoria avariada configura um incumprimento definitivo.

VIII - Face a tal incumprimento da ré, mostra-se válida a resolução do contrato operada pela autora, tornada eficaz mediante comunicação escrita à ré (arts. 432.º e 436.º do CC).

IX - Tendo resolvido o contrato por incumprimento culposo da ré, tem a autora direito a ser ressarcida dos danos sofridos em consequência da resolução (art. 798.º do CC), sendo indemnizáveis os danos emergentes, bem como o interesse contratual positivo, o lucro que o credor deixou de obter com o não cumprimento do contrato.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Gerência, Destituição de gerente,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 4009/07.5TBGMR.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Data do Acordão: 26-01-2012
Votação: UNANIMIDADE

Sumário :

1. Na apreciação das revistas interpostas em processo de jurisdição voluntária – quando admissíveis – inexiste qualquer particularidade no que respeita aos limites de conhecimento do STJ relativamente à matéria de facto.

2. Mesmo a elasticidade aberta pelo n.º1 do artigo 1411.º do Código de Processo Civil, não permite que aqui se leve a cabo alteração factual.

3. Não vindo a ser realizada qualquer assembleia geral, existindo vendas efectuadas sem qualquer registo e não facturadas a clientes, inexistindo relatório de gestão e prestação de contas referentes aos anos de 2005, 2006 e até à data da decisão de 1.ª instância, existindo activos e/ou custos não revelados na contabilidade provocando distorções materialmente relevantes, tendo-se verificado falsas declarações no envio ao I.E.S. e não tendo sido encontradas quaisquer facturas correspondentes ao serviço prestado pelo gabinete de contabilidade, existe justa causa de destituição do gerente duma sociedade.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Títulos de crédito, Livrança, Aval,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 1379/09.4TBGRD-A.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Data do Acordão: 24-01-2012

Sumário:

I - O aval dado pelo subscritor da livrança, tal como acontece com o aceitante de letra, não tem valor, porquanto este é o principal obrigado da relação cambiária, responsável perante todos os demais signatários, sendo certo que o aval só pode ter utilidade pratica se for dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa.

II - Não se provando quais os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justificava, nem quais tenham sido os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo executado, alegadamente, afectado com elas e que o proponente não haja satisfeito, antes tendo ficado demonstrado que as cláusulas do contrato foram, previamente, explicadas por este a um outro beneficiário do mútuo oriundo de um contrato de abertura de crédito, também, executado, não ocorre a nulidade, por omissão dessa formalidade, que vicie o contrato ou qualquer uma das suas cláusulas, em relação ao executado a quem não foi concedida a explicação.

III - Intervindo todos os executados como avalistas dos subscritores, no domínio das relações imediatas, poderiam opor à exequente, portadora da livrança, todas as excepções que aos avalizados subscritores seria lícito invocar.

IV - Não contendendo a falta de prévia explicação das cláusulas do contrato subjacente ao subscritor de uma livrança, nem a falta da entrega de uma cópia do contrato ao mesmo com a respectiva forma, a eventual nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade por vício de forma compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título.

Jurisprudência - Direitos dos sócios, Conselho de administração

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 117/07.0TYVNG.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Data do Acordão: 24-01-2012

Sumário:

I - O direito que todo o sócio tem a ser designado para os órgãos de administração e de fiscalização da sociedade, nos termos da lei e do contrato, previsto no art. 21.º, n.º 1, al. d), do CSC, não é um “bem social” susceptível de repartição pelos sócios, do mesmo modo que o não é o direito de quinhoar nos lucros, o direito de informação e o direito a participar nas deliberações dos sócios (previstos nas restantes alíneas do mesmo preceito).

II - Em todos estes casos, trata-se de direitos em abstracto dos sócios, que só se transformam em direitos em concreto quando se verifiquem os pressupostos do seu “nascimento”. Assim, o direito do sócio exigir fazer parte dos órgãos sociais há-de resultar das regras estatutárias e legais que regulam o seu exercício, não sendo directa e imediatamente atribuído pela norma do CSC supra referida.

III - Não existe justificação para, em concreto, chamando à colação os princípios da paridade e da proporcionalidade, bloquear o normal funcionamento do princípio da maioria e conseguir, contra a vontade que esta expressou, a designação de pessoa diversa da indigitada pelos sócios maioritários como representante da 1.ª ré na assembleia geral da 2.ª ré em que se delibere a eleição dos órgãos sociais.

IV - O facto de os sócios terem direito a um tratamento paritário não significa que o tribunal possa sobrepor-se às respectivas deliberações, transformando as minorias em maiorias.

V - O direito à remuneração não pode ser encarado como algo que tenha de ser usufruído, rotativa e rateadamente, pelos sócios (quer os maioritários, quer os minoritários), como se estivéssemos em presença de um dividendo do exercício da actividade, ou de um “bem social” de natureza semelhante.

Jurisprudência - Estabelecimento comercial, Trespasse,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 239/07.8TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Data do Acordão: 24-01-2012
Sumário:

I - A expressão “objecto do negócio jurídico”, inserta no art. 280.º do CC, que comina de nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, pode ter dois sentidos: um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir; o outro, correspondente ao objecto mediato, ou objecto stricto sensu, consistente naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio.

II - Na universalidade que constitui o estabelecimento comercial integra-se a licença administrativa para funcionamento, elemento essencial da sua estrutura orgânica e funcional, pois que, sem ela, não é legalmente admissível a laboração; mas não é condição sine qua non, bastando que o complexo da sua organização económica esteja pronto ou apto a entrar em movimento.

III - Um estabelecimento comercial pode ser objecto de trespasse mesmo que ainda não esteja a ser explorado ou, inclusive, incompleto e em via de formação, não sendo necessário, para se falar em trespasse, que a transferência abarque todos os elementos que, na altura, integram o estabelecimento, sendo admissível o trespasse parcial.

IV - A falta de menção no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03.

V - Todavia, importa realçar que se está perante um contrato-promessa, do qual unicamente advém o efeito obrigacional de realizar o contrato prometido, e que a impossibilidade legal originária verificada é meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num momento em que prestação ainda oferece interesse ao credor (art. 792.º, n.º 2, do CC), pois que até à celebração do contrato prometido pode perfeitamente o promitente trespassante obter a licença em falta.

VI - Se não obstante a falta da licença de utilização e consequente omissão no contrato-promessa, a promitente trespassária não ficou impedida de explorar, por sua conta e risco, o estabelecimento de café, snack-bar e restaurante, bem como ao longo do tempo e até à data da propositura da acção (2,5 anos), foi entregando parcelares quantias por conta do preço acordado, e, inclusive, contratualizou novo arrendamento com o senhorio, tudo como se aquele contrato estivesse perfeito, válido e plenamente eficaz, não pode deixar de constituir abuso do direito da sua parte, na modalidade de venire contra factum proprium, a invocação da nulidade do contrato-promessa de trespasse.

VII - A responsabilidade pré-contratual traduz-se num compromisso ou conciliação entre o interesse na liberdade negocial e o interesse na protecção da confiança das partes durante a fase das negociações, e pressupõe uma conduta eticamente censurável, e de forma acentuada, em termos idênticos aos do abuso de direito (art. 227.º, n.º 1, do CC).

Jurisprudência - Insolvência, Exoneração do passivo restante,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 152/10.1TBBRG-E. G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Data do Acordão: 24-01-2012

Sumário:

I) - A exoneração do passivo restante, inovadoramente introduzida no direito insolvencial português pelo CIRE, regulada nos arts. 235º a 248º daquele diploma, apenas é conferida a insolventes que sejam pessoas singulares.

II) Como resulta do Preâmbulo do diploma legal – “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da exoneração do passivo restante”.

III) Resulta do art. 1º do CIRE que o processo de insolvência é um processo de “execução universal” que visa acautelar os interesses dos credores, da economia e não despreza, a título excepcional, os interesses do insolvente pessoa singular.

IV) Na lógica de que a exoneração é “uma segunda oportunidade” (fresh start), só deve ser concedida a quem a merecer; a lei exige uma actuação anterior pautada por boa conduta do insolvente, visando evitar que o prejuízo, que já resulta da insolvência, não seja incrementado por actuação culposa do devedor que, sabendo-se insolvente, permanece impassível, avolumando as suas dívidas em prejuízo dos seus credores e, não obstante, pretende exonerar-se do passivo residual requerendo a exoneração.

V) - Essa exigência ética, assente numa actuação de transparência e consideração pelos interesses dos credores, está claramente prevista na al. b) do art. 238º do CIRE, cujo objectivo é obstar que a medida excepcional da exoneração do passivo não beneficie o infractor.

VI) - São fundamentos autónomos de indeferimento liminar, a apresentação do pedido fora de prazo – al. a) do mencionado normativo – e que a não apresentação atempada cause prejuízo para os credores – al. d).

VII) – Os requisitos tempestividade e prejuízo para os credores são autónomos, já que a apresentação do insolvente pode não causar prejuízos sensíveis aos credores, como está implícito na al. d), mal se compreendendo que prejuízos insignificantes fossem motivo suficiente para a recusa liminar do pedido, por esse prejuízo ser de presumir em virtude da pretensão do insolvente ser requerida fora do prazo legal.

VIII) - A ratio legis do instituto da exoneração é evitar o colapso financeiro do insolvente pessoa singular, implicitando uma moderada transigência com a apresentação intempestiva, ligando-a, apenas reflexamente, ao facto dessa omissão poder ser causadora de prejuízo para os credores.

IX) O conceito de prejuízo, deve ser interpretado como patente agravamento da situação dos credores que assim ficariam mais onerados pela atitude culposa do insolvente.

X) A apresentação tardia do insolvente/requerente da exoneração do passivo restante, não constitui, por si só, presunção de prejuízo para os credores – nos termos do art. 238º, nº1, d) do CIRE – pelo facto de, entretanto, se terem acumulado juros de mora – competindo aos credores do insolvente e ao administrador da insolvência o ónus de prova desse efectivo prejuízo, que se não presume.

Jurisprudência - Concessão comercial, Indemnização de clientela,

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 39/2000.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Data do Acordão: 24-01-2012
Votação: NANIMIDADE

Sumário :

I) - Sendo o contrato de concessão comercial um contrato de cooperação comercial e de distribuição, pressupondo uma integração e conjugação de esforços organizativos com vista à implementação de bens no mercado, assumem especial relevo a estabilidade e permanência – o seu cariz continuado, duradouro – sem o qual a vertente de rentabilização económica dificilmente será alcançável.

II) – A indemnização de clientela tem como pressuposto basilar a cessação do contrato de concessão (por aplicação analógica do regime legal do contrato de agência) e, como requisitos legais cumulativos, os que constam do art. 33º,nº1, als. a), b) e c) do DL.178/86, de 3.7, exigindo-se que o concessionário tenha angariado novos clientes para o concedente ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente; o concedente venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo concessionário e que o concessionário de receber qualquer retribuição por contrato.

III) – O que está na base da indemnização de clientela é uma ideia de justiça [repare-se que o critério da sua fixação, pese embora o “travão legal”, é o da equidade], assente na consideração de que se o concessionário proporcionou, pela sua actividade, incremento significativo na clientela do concedente, assim o beneficiando “substancialmente” para o futuro, em termos de volume de negócios, deve ser compensado pelo esforço despendido.

IV) No contrato em causa foi acordada a Cláusula 17ª que consagra o direito potestativo de denúncia pelo concedente que, como é inerente a esse instituto, é um direito que pode ser exercido ad nutum, sem prejuízo, todavia, do seu exercício dever salvaguardar a regra da boa-fé, mormente, tratando-se de contrato duradouro, devendo obedecer tal direito a um prazo com pré-aviso razoável. Tal cláusula exclui qualquer indemnização, tendo sido acordado que o prazo de denúncia – dois anos – poderia ser prorrogado por mais um ano, no condicionalismo previsto no seu nº2.

V) - O Regulamento (CE) nº1475/95, da Comissão, de 28.06.95, já substituído pelo Regulamento (CE) nº1400/2002 de 31.07.2002, regulava a aplicação do nº3 do artigo 85º do Tratado CE a certas categorias de acordos de distribuição e de serviço de venda e pós-venda de veículos automóveis, sempre que estejam em causa relações transfronteiriças, prevendo-se, no seu artigo 5º, o direito do fornecedor fazer cessar o contrato mediante um pré-aviso de, pelo menos um ano, em caso de necessidade de reorganizar a totalidade ou uma parte substancial da rede de distribuição.

VI) – Aquelas normas comunitárias sobre o sector da distribuição automóvel, não são aqui aplicáveis, desde logo, porque não se trata de relações comerciais transfronteiriças, mas, antes, de um contrato para valer numa muito restrita área territorial portuguesa. Por outro lado, aquela legislação comunitária visa, essencialmente, regular e disciplinar a concorrência e, acima de tudo, a protecção dos concessionários.

VII) – A Cláusula 17ª do contrato que faculta ao concedente a cessação do contrato, em qualquer caso, e sem nenhuma indemnização, é uma cláusula que acentua a já congénita fragilidade contratual do concessionário, com o gravame de desconsiderar a análise a posteriori duma situação que pode bem ser infractora das regras da boa-fé, pelo que se deve considerar inválida (nula) por violar preceitos cogentes, analogicamente aplicáveis a partir do contrato de agência, e, objectivamente, equivaler a uma renúncia antecipada do direito do concessionário (credor), independentemente de qualquer grau de culpa, violando o art. 809º do Código Civil.

VIII) – Tendo em conta que a indemnização de clientela se faz com recurso à equidade, que é a justiça do caso concreto, haverá que ponderar o longo tempo de cooperação da concessionária na estrutura e organização comercial do concedente, cerca de 18 anos que, como é objectivo, atravessou períodos de maior ou menor fulgor consumista, com a inerente repercussão no nível de vendas de veículos automóveis, nos investimentos feitos pela concessionária para obter os objectivos visados pelo contrato, e, sobretudo, a consideração do incremento económico (clientela) que, cessada a relação contratual, poderá advir para concedente.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Sociedades, Desconsideração da personalidade colectiva

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 434/1999.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Data do Acordão: 10-01-2012

Sumário :
I - Justifica-se o levantamento da personalidade coletiva de sociedade que outorgou escritura de compra e venda em 21-12-1995, constatando-se que essa sociedade era mero testa de ferro do oculto comprador, seu sócio dominante com 85% do capital, considerando-se, por via do levantamento ou desconsideração da personalidade dessa sociedade, celebrado o contrato entre o oculto comprador e os demais intervenientes na compra e venda.

II - O abuso da personalidade coletiva da sociedade revela-se pela circunstância de que, com a intervenção dela, e não do seu sócio maioritário – homem oculto – na escritura de 1995, pretendia impedir-se que os imóveis adquiridos se integrassem no património desse sócio que, muitos anos antes (1988), outorgara contrato-promessa de compra e venda com traditio desses mesmos imóveis (apesar de ao tempo não ser deles ainda proprietário), sujeitando-se, se não se acobertasse em 1995 sob o manto da personalidade coletiva da “ sua” sociedade, ao pedido de execução específica (artigo 830.º do CC) por parte do promitente comprador de 1988, atenta a mora em que há muito incorria o promitente vendedor.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Jurisprudência - Responsabilidade de gerentes ou administradores para com credores sociais

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 916/03.2TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES

Sumário :
I- O estatuto económico da sociedade comercial é factor decisório do crédito que lhe é concedido, não se limitando apenas ao capital social, mas também tendo em consideração o estofo patrimonial da empresa (sociedade) que possa «tranquilizar» os seus credores.

II- Aliás, há que ter em atenção que, como ensina o Prof. Pereira de Almeida, costuma-se dizer que o capital social é a garantia comum dos credores, carecendo tal afirmação de ser explicada.

Na verdade, diz o citado o Professor que «o capital social figura no balanço como «rubrica do passivo» e a garantia dos credores é certamente constituída pelo activo», acrescentando, mais adiante, que «o capital social distingue-se do património, o qual constitui efectivamente a garantia geral dos credores ( artº 601º do C. Civil)».

III- Logo, as normas que tutelam a conservação ou promovam o aumento desse património têm também em vista a sua protecção, na expressão de Ilídio Rodrigues, na obra referida no texto deste aresto.

IV- Só assim se entende que o legislador tenha estabelecido o enlace normativo entre a inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção dos credores sociais e a insuficiência do património social para a satisfação dos respectivos créditos, na previsão do nº 1 do artº 78º do CSC.

V- Em conclusão, a diminuição do património social produzida pela inobservância de normas legais do direito societário, constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário nexo de causalidade e um dano indirecto dos credores sociais, desde que essa diminuição se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.

VI- Consequentemente, as normas legais inobservadas, na medida em que da sua violação resultam danos (ainda que indirectos) para os credores da sociedade, visam igualmente evitar tais danos, logo, proteger também os referidos credores, e não somente lhes aproveitam.

VII- Este é o critério teleológico-racional que se mostra mais ajustado, não só no plano jurídico-societário, como no aspecto da realidade sócio-económica e empresarial.

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